A esperança da terra prometida renasce no Maranhão, a luta pela titulação dos
territórios quilombolas continua, o futuro se tinge com as cores da resistência, da esperança, da busca por justiça e da dignidade
Por Osnilda Lima | Cepast-CNBB*
O sol da manhã banhava São Luís, capital maranhense, com seus raios de esperança e luta. Um grupo de 150 mulheres e homens, rostos marcados pelo tempo e pela luta, mas com os olhos brilhando com a chama da esperança reacendida, adentrava a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Eram os representantes do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), que carregavam consigo a história de resistência de seus ancestrais, a força de suas comunidades e o sonho da terra prometida: a titulação dos territórios quilombolas no estado. Das mãos, ressoava o som falante dos tambores, anunciando a chegada daqueles que lutam por justiça e dignidade.
A terra: mãe e essência da vida quilombola
A luta pela terra não é apenas pela posse de um patrimônio. Para os quilombolas, o território é a própria essência da vida, um elo ancestral que nutre e sustenta a comunidade. “A gente não vê a terra como patrimônio, a gente vê a terra como mãe”, afirmou Gil, quilombola do Quilombo Nazaré, na baixada ocidental maranhense, expressando a profunda conexão entre seu povo e a terra que habitam no início da reunião.
Encontro crucial: quilombolas e governo frente a frente
Nos dias 21 e 24 de outubro, a sala de reuniões do Incra, em São Luís, tornou-se palco de um encontro crucial. De um lado, os quilombolas, com suas vozes firmes e seus anseios por justiça; do outro, os representantes do governo, com a responsabilidade de garantir o direito à terra, um direito historicamente negado. O Superintendente do Incra, José Carlos Nunes Jr., e os representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil (MDA), escutavam as demandas do Moquibom, que ecoavam a urgência de uma solução para a angustiante espera pela titulação de seus territórios.
A Igreja e o compromisso com a justiça social
Dom José Valdeci Santos Mendes, bispo diocesano de Brejo (MA) e presidente da Comissão para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB), participou da reunião no dia 23, na qual reafirmou o compromisso da Igreja com a luta dos povos originários e comunidades tradicionais, em especial os quilombolas, pela dignidade e justiça territorial.
“Diante da morosidade e da ausência do Estado, a Comissão se compromete a apoiar essas comunidades na garantia de um território livre e justo”, declarou Dom José Valdeci. O bispo ressaltou a urgência na titulação das terras, para que as comunidades quilombolas possam viver com a dignidade que lhes é de direito. Reforçando o compromisso da Igreja com a justiça social, Dom José Valdeci enfatizou a luta por uma vida plena para todos, concluindo com as palavras de Jesus: "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância".
Acordos e compromissos assumidos: uma luz no horizonte?
Obstáculos? Sim, muitos! A falta de conciliadores agrários, a escassez de recursos destinados pelo Incra para a titulação de terras tradicionais e a morosidade nos processos formavam uma barreira que parecia intransponível. Mas os quilombolas não se deixaram abater. Com a força de 20 comunidades unidas, reivindicaram seus direitos e apresentaram uma lista de territórios que ainda aguardavam o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), documento essencial para dar início ao processo de titulação e, assim, concretizar o sonho da posse da terra.
E então, uma luz descortina no horizonte: o Incra anunciou a destinação de R$ 8 milhões para a realização do RTID nessas 20 comunidades. Para isso, será firmado um Termo de Execução Descentralizada (TED) com uma universidade especializada na elaboração de RTIDs. Essa parceria garante que as comunidades quilombolas terão o apoio técnico necessário para avançar no processo de titulação de suas terras.
Além do TED, o Incra assumiu outros compromissos importantes, como a elaboração de um cronograma para a conclusão do RTID em 17 comunidades quilombolas que já possuem o Relatório Antropológico (RA) concluído e a atuação a favor dos quilombolas nos processos judiciais que envolvam disputas por terras.
A luta contínua: vigilância e mobilização
O compromisso assumido é um sopro de alívio. A espera, que perdura anos, finalmente parece ter um fim à vista. A titulação da terra, antes um sonho distante, agora se torna uma possibilidade real. Mas a luta não termina aqui. O Moquibom segue vigilante, acompanhando cada passo do processo, cobrando o cumprimento dos compromissos assumidos e lutando por cada centímetro de terra que lhes pertence por direito.
A esperança se renova após os enfrentamentos e acordos firmados no Incra. Raimunda Nonata, quilombola do Cocalinho e membro do Moquibom, expressa a confiança na conquista da titulação: “Diante dos enfrentamentos que a gente fez aqui no Incra, a gente está saindo confiante diante dos acordos que foram feitos com o Ministério do MDA e da Ouvidoria Agrária. O Moquibom vai fazer o acompanhamento desses processos, desses andamentos de cada um desses processos de cada comunidade.”
A mobilização constante e a cobrança por parte do movimento quilombola são essenciais para garantir o cumprimento dos acordos. Tony Pavão, da coordenação do Moquibom, destaca a importância da participação ativa na fiscalização dos processos: “Nossa confiança se dá nos acordos firmados e na devolutiva que o Incra nos deu, mas, acima de tudo, nós, enquanto Movimento Quilombola, precisamos vir constantemente, sentar com o superintendente, com o pessoal do Departamento Quilombola, para saber
quais foram os avanços diante da pauta que o Moquibom trouxe para o Incra”. Para isso, o movimento se comprometeu a criar uma comissão visando acompanhar de perto as alterações e os avanços nos processos de titulação.
A luta pela terra: luta pela vida, dignidade e futuro
A luta pela terra é a luta pela vida, pela dignidade, pela preservação da história e da cultura de um povo que se recusa a ser silenciado. É a luta por um futuro em que as comunidades quilombolas do Maranhão possam viver em paz, com a garantia de seus direitos e a certeza de que suas terras, finalmente suas, serão o berço de novas gerações de guerreiros e guerreiras.
*Este texto foi construído com a contribuição de Claudia Pereira, Cepast-CNBB e de
lideranças do Moquibom e da Comissão Pastoral da Terra do Maranhão.
Fotos: Rony Codó (capa) e Ariana Frós - CNBB NE 5.
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