Um comentário a partir da Mensagem do Papa Francisco para o LVIII Dia Mundial Das Comunicações Sociais, publicada em 24 de janeiro de2024, por ocasião da Festa de São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas.
Nos dois últimos anos, com suavidade e constância, Francisco vem insistindo sobre a relação comunicação e coração: partida, experiência e retorno. Um coração que vê, ouve e fala. Um coração capaz de narrar para ensinar humildemente de si e aprender do outro, com o sensível respeito às suas narrações.
Ao tomarmos consciência da mensagem deste ano - Inteligência artificial e sabedoria do coração: para uma comunicação plenamente humana -, de pronto, nos deparamos com dois dos dons dados pelo Espírito Santo, o Defensor, a inteligência e a sabedoria. Ao escrever para o Dia Mundial da Paz deste ano, em primeiro de janeiro, o Papa já nos explica: “A inteligência é expressão da dignidade que nos foi dada pelo Criador, que nos fez à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26) e nos tornou capazes, através da liberdade e do conhecimento, de responder ao seu amor”.
Como compreensão basilar, entendemos que o primeiro dos dons citados, a inteligência, é um dom dado aos homens para, com capacidade menor em grau, mas suficiente em sua matéria, criar meios felizes para a vida plena, portanto, uma graça particular cujos frutos são fraternos: para a comunidade que partilha a vida.
A sabedoria, o segundo dos dois dons apresentados, não por pequenez em importância, mas por indicar a continuidade do caminho, que, por isso, revela a profundidade deste dom, traz-nos justamente de volta ao coração: ao que está dentro, porém, pulsante, com capacidade viva de exterioridade.
O Papa nos fala muito além nesta mensagem do que vem nos catequizando: nesses últimos cinco anos Francisco riscou uma linha pedagógica para explicar-nos o princípio da relação fraterna. Primeiro, em 2019, pediu-nos para lembrarmos que somos comunidade, vivemos nela e com ela nos relacionamos dialogicamente no outro, neste tempo, chamou-nos a atenção para a preservação desta relação insubstituível em detrimento das redes sociais digitais, importantes para os tempos atuais, mas incapazes de substituir o estar com outro.
Neste entendimento, em 2020, trouxe-nos a percepção que somos o eu e o nós, história em construção que move o curso das relações e leva-nos ao aprofundamento do estar e do ser. Estar em comunidade, ser comunidade; estar com o outro, ser no outro, quando o outro é a si em mim. A memória é o VHS dos homens, capaz de ser rebobinada quantas vezes necessárias para dizê-lo o que é.
Em 2021, tendo, pois, nos preparado para aquele tempo, iniciou as reflexões sobre o coração. Francisco restaurou-nos a compreensão que o anúncio nunca é exterior, ele deve ser sempre nativo, isto é, ter a voz e rosto da comunidade onde ele se espalha: estar em diálogo com sua história, estar em movimento com as relações instauradas. O coração precisa estar para ser, ele precisa se colocar - ir - para sentir o outro - ver -para somente, então, sê-lo.
A escuta tem ficado esquecida em nossa comunidade, em nossa pastoral, mesmo em nossas orações, quando o nosso coração é privado da escuta silenciosa da voz de Deus.
O estar requer ainda um esforço simples, porém difícil de ser exercitado nestes tempos de pressa e frenesi nas respostas. Mal que muitas vezes tem tomado a comunicação pastoral: o simples querer dizer, tudo dizer e primeiro dizer. A escuta tem ficado esquecida em nossa comunidade, em nossa pastoral, mesmo em nossas orações, quando o nosso coração é privado da escuta silenciosa da voz de Deus. A oração como caminho e encontro, torna-se uma burocracia na economia da fé. Em 2022, Francisco ensina-nos, pois, nada mais que, depois de estar, parar e escutar. Amar ao próximo com a propriedade de quem, ao viver o outro, tem a capacidade de sabê-lo.
Somente com a capacidade de saber o outro (não somente do outro) é que podemos dizê-lo, e dizer a ele. Falar ao outro, não do outro, um mal que nos faz a língua escorregar em comunidade.
Francisco, desse modo, nos preparou naqueles dois anos para nos fazer compreender, em 2023, ano passado, outro conhecidíssimo estágio da comunicação: o falar. Geralmente de onde começamos, e onde esquecemos todo o processo do seu advento. Falar com o coração é para quem aprendeu a escutar com amor.
Sabedoria do Coração: uma virtude pastoral.
A Comunicação em nossa Igreja vive um tempo feliz de caminhos de saberes: a sabedoria do coração tem-nos sido ensinada por Francisco com a sabedoria pastoral. Com este notório saber, construiu um caminho paciente de anos para nos ajudar a encontrar o caminho virtuoso do coração. Para que sabendo-o, saibamos fazer do coração uma tenda, um lugar de encontro, e dele fonte virtuosa de fraternidade.
A sabedoria do coração já nos foi ensinada: o caminho aprendido (até aqui) é a lição. Exercitá-la é a prudência e vivê-la prudentemente é a virtude.
Exercitar a virtude: prudência do sábio.
Papa Francisco ajuda-nos mais com sua mensagem no esclarecimento sobre a sabedoria do coração: “a sabedoria do coração é a virtude que permite combinar o todo com as partes, as decisões com suas consequências, as grandezas com as fragilidades, o passado como futuro, o eu com o nós”. Basta rememorar o caminho.
Para reconhecer o sábio de coração pistas claras também nos são dadas por Francisco: a sabedoria mora no coração do atento ao conselho, do dócil no ouvir e no falar. O sábio de coração oportuniza o remédio, e afasta-se do nocivo.
A economia da sabedoria (do coração) tem resultados refletidos, para a Igreja, resultantes de uma etnografia pastoral, que torna o coração exímio administrador: quantifica dados, qualifica pessoas. Francisco chama atenção para o esfriamento da pastoral quando vista apenas em resultados quantitativos, tornados indicadores para metas e metas para a publicidade. E pede atenção para que não se “dissolva a realidade concreta numa série de dados estatísticos”.
Ao se servir da Inteligência (Artificial), deste modo, a pastoral deve buscar operá-la com sabedoria (do coração), para que a instrumentalização do fazer não se sobreponha ao ser e ao estar. De modo a evitar que a artificialização da pastoral leve ao esvaziamento espiritual, muito embora, haja riqueza de técnica e pobreza de humanidade.
Sobre a IA e a humanidade, é preciso, antes, encontrar caminhos para a plenitude humana. E ainda seja a IA em seu funcionamento e potencialidades indecifráveis, deve ser reconhecida como uma oportunidade para o crescimento da técnica que, aperfeiçoada, deve favorecer a vida plena e fraternidade entre os homens, num caminho contrário à guerra. Por isso, a IA é um olhar extenso que escapa a ciência da Comunicação e adentra campos da vida, daí, a preocupação da Igreja também nas prerrogativas de paz para que haja fraternidade e amizade social, que, aliás, com muita atenção se debruça e celebra nossa Igreja no Brasil neste tempo propício que se aproxima da Quaresma, e nela, a vivência da Campanha da Fraternidade como um dos pilares quaresmais, a Caridade.
Pastoral da Comunicação, tendo descoberto este caminho, mantenha vosso coração onde está vossa riqueza: o outro.
Um pequeno recado.
Pastoral da Comunicação, tendo descoberto este caminho, mantenha vosso coração onde está vossa riqueza: o outro. Exercite esta lição: refaça o caminho do encontro quantas vezes necessárias, faça-o prudentemente para que o vosso coração virtuosamente torne-se sábio.
Uma última pequena pontuação.
Muito longe de um estudo aplicado, muito perto de um comentário refletido, proponho com este conteúdo um despertar para o que estar por vir. Um bom caminho. Virtude a todos!